O meu Realengo
Há dias que não consigo me distanciar dos acontecimentos trágicos do Rio de Janeiro. A mídia não me deixa esquecer ao fazer uma cobertura que parte da correção e da necessidade e resvala, rapidamente, no sensacionalismo oportunista. As pessoas falam do assunto o tempo todo com expressões que se encaixam tanto numa comoção sincera como em comentários artificiais e completamente preconceituosos sobre religião descambando para lugares comuns como terrorismo e fama.
Cultivo minha fé numa igreja e nela tenho um papel de grande responsabilidade por ter me tornado padre católico e ser um pregador. Esse evento absurdo me atingiu particularmente no que ele tem de conteúdo relacionado à educação da fé. Um trecho da carta deixada pelo assassino de 12 crianças da Escola Tasso da Silveira fala de “pureza”. Ele se considera como tal e pede que somente toque em seu cadáver quem também fosse “puro”. Há muitas possibilidades de interpretação para essas afirmações, mas a mim tem tocado de perto a gravidade do que os religiosos ocidentais costumam definir como sentido para a pureza. As tradições de natureza judaico-cristã e do islã atribuem significado a pureza com vinculo direto ao mundo da sexualidade. Puro, portanto, seria alguém devoto da abstinência sexual ou com compromisso de sexualidade devidamente regular diante das doutrinas religiosas.
Que tragédia! Essa mentalidade arraigada e fortemente amparada por discursos teológicos tem produzido um divórcio escandaloso entre pureza e bondade. Seria mais natural e benéfico para a humanidade e para o planeta dizer que puros são os bons e que uma pessoa disposta a pegar em armas e executar crianças inocentes está terminantemente proibida de autodenominar-se pura. Causa-me profunda indignação ler que aquele assassino se considerava puro. E vejo que a responsabilidade nessa convicção que ele manifestou encosta fortemente no meu ministério de pregador da fé. Precisamos nos converter. Mudar o nosso modo de compreender e de falar das virtudes. Entender que nosso discurso pode fazer uma diferença na cabeça das pessoas. Precisamos estudar mais, conhecer mais, descobrir as ciladas dos conceitos e oferecer caminhos de luz e não de trevas.
Hora de mudar. Hora de tomar atitudes novas. Unidos.
Abraço ao pessoal da UGA.
Pe. Rafael Vieira, CSsR
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